terça-feira, 12 de novembro de 2013

Nós pagamos mais do que pó de arroz e esmaltes

Sheila Nogueira

“Não me separo porque não tenho como sustentar a mim e aos meus filhos.” Quantas vezes ouvimos que a dependência econômica da mulher, especialmente com filhos, é um fator determinante para a manutenção de relações familiares violentas ou de casamentos indesejáveis?


Para completar, mesmo quando a mulher trabalha, ela o faz “para ajudar” no orçamento doméstico, essa ajuda nunca é qualificada como uma possibilidade de realização pessoal, ou como sobretrabalho somado as inúmeras tarefas realizadas na casa e com as crianças, ou vista como complementação da renda familiar. A palavra “ajuda” é usada para diminuir tanto em importância pessoal quanto como possibilidade de ser, muitas vezes, a principal  fonte de renda da família.

Duas questões são chaves nessas argumentações:

a)      A mulher “ajuda” no orçamento doméstico, como se a sua contribuição moralmente valesse menos. Entrevistei várias mulheres que “ajudavam” no orçamento doméstico fazendo doces ou costurando, que quando perguntadas sobre quais itens do orçamento doméstico eram cobertos por essa ajuda, ficava claro que de fato a família dependia desse trabalho. Muitas vezes essa “ajuda” nem é analisada, ficando invisível diante da resposta da mulher em dizer que “não trabalha”. Em uma dessas entrevistas ouvi uma mulher dizer que começou a fazer um curso de costura numa igreja e que o marido “deixava” que ela fosse porque é isso mesmo que ela devia fazer com seu tempo livre: “aprender a costurar na igreja e depois vender umas bolsinhas.” Segundo ela, o marido dizia que era distração e também servia para ela comprar pó de arroz e esmalte. Essa mulher juntou-se a outras e juntas fornecem bolsas para eventos em todo o Brasil. E pediu a separação. Dados do IBGE (2012) apontam que em 46, 4% das famílias biparentais são as mulheres as principais responsáveis pelo sustento da família. Quem ajuda quem?

 b)      A mulher trabalha quando precisa, quando marido não consegue sustentar sozinho a casa, o marido tem um trabalho, uma carreira. Quantos homens seguem suas mulheres em cursos e trabalhos fora do país? Quantos homens ficam em casa para cuidar dos filhos para mulher investir numa carreira profissional? Quando há filhos, são as mulheres que saem do mercado de trabalho, mesmo em casos em que seu trabalho pode ser mais bem remunerado do que dos seus maridos.

Um arranjo familiar justo a mulher não “ajuda” com o pagamento das despesas da casa e nem o marido “ajuda” lavando a louça: os dois são corresponsáveis.  Quando usamos o “ajuda” estamos dizendo que o dever é do outro. É dever do homem sustentar a casa e a mulher “ajuda”, é dever da mulher lavar a louça e o homem “ajuda”.
Ações de apoio ao empreendedorismo e acesso a crédito quando pensadas para mulheres precisam levar em consideração componente do universo machista das relações sociais e também essas novas manifestações do machismo (Luis Bonino, 2006), do homem que “não proíbe”, do homem que “deixa” fazer o curso e que até “ajuda” nas tarefas da casa.

É preciso falar em projeto de vida, em realização pessoal e não em trabalhar/empreender para “ajudar”. Os homens empreendem para realizar um sonho, para por em prática uma ideia genial e as mulheres empreendem por quê? Para ajudar o filho a fazer faculdade, para ajudar a pagar a casa, para ajudar o marido que está desempregado?
 Quando uma mulher empreende e consegue gerar renda para se manter e manter seus filhos, isso coloca em suas mãos o poder de decidir sobre quais são seus projetos e com quem quer compartilhá-los. E é claro o lhe dá segurança para cobrar, por exemplo, a parte que cabe aos pais dos filhos nos seus sustentos e educação.

 Considerando ainda que mais de 20% das famílias brasileiras são monoparentais e chefiadas por mulheres, que nesse caso são responsáveis sozinhas pelo sustento e educação dos filhos, isso coloca uma responsabilidade ainda maior no seu papel de “mulher empreendedora” e na necessidade de uma rede de serviços que precisam ser disponibilizado – creches, por exemplo, para que essas mulheres possam ter projetos de vida que caibam além de garantir o “sustento da casa” suas realizações pessoais.

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